Por Elizabete Vasconcelos

País que em 2010 comercializou 171.040 caminhões, mas que mesmo assim tem 45% de sua frota com mais de 20 anos de uso. Esta é a situação em que se encontra o Brasil, cujo modal rodoviário responde por 60% das cargas movimentadas. Neste cenário, surge a dúvida sobre o que fazer com os veículos que não possuem mais condições de circulação. Para especialistas ouvidos pela revista O Carreteiro, o destino de cada um deles é incerto, alguns seguem para desmanches, outros são apreendidos, leiloados ou simplesmente abandonados. Diante disso, há alguns anos se discute a criação de políticas para incentivar a reciclagem de veículos, entretanto, até agora, nada efetivamente aconteceu. Estimativas da CNT (Confederação Nacional do Transporte) revelam que apenas para retirar das estradas os caminhões com mais de 30 anos – 270 mil unidades, aproximadamente – seria necessário mais da metade de uma década, levando-se em consideração que a cada doze meses 50 mil caminhões seriam destinados à reciclagem. Entretanto, todos os especialistas ouvidos foram unânimes ao dizer que para isso acontecer é preciso que o País estabeleça regras claras que deem condições para o funcionamento de estabelecimentos credenciados para a atividade.

“Falta uma regulamentação dedicada à atividade. O primeiro passo seria estabelecer uma inspeção veicular para todo o Brasil e para todos os veículos. Em paralelo é preciso regulamentar quem vai fazer o quê. É necessário dividir as ações”, destaca Marcos Vinícius Aguiar, diretor de segurança veicular da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva).

Marco Antônio Saltini, vice-presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), destaca outro ponto. “É preciso mudar uma questão cultural, pois no Brasil quando se fala em coisas recicladas pensa-se em produtos de segunda linha, e isso não é verdade”, argumenta. Clésio Andrade, presidente da CNT, acrescenta que “é necessário criar estímulos fiscais e incentivar a criação de uma cadeia produtiva voltada para o reaproveitamento de todos os resíduos gerados pelo sucateamento desses veículos”.

Caminhões modernos ao lado de antigos são cenas comuns nas rodovias brasileiras
Caminhões modernos ao lado de antigos são cenas comuns nas rodovias brasileiras

Além de tomar todas essas medidas, o País tem que ficar atento a uma outra questão, o valor de revenda dos caminhões. “No Brasil, um caminhão velho acaba tendo um preço de revenda entre R$ 35 e R$ 40 mil”, destaca Saltini. Para Eduardo Santos, gerente institucional do Cesvi Brasil, isso é ainda mais relevante quando se leva em consideração que o caminhão é uma ferramenta de trabalho. “Não é difícil vermos veículos antigos executando transportes de cargas variadas em grandes cidades ou em portos como o de Santos/SP”, constata.

Por conta disso, Marcos Vinícius Aguiar acrescenta que a política deve estar atrelada a um incentivo financeiro, “porque não é possível tirar um bem de um carreteiro e não lhe dar nada em troca, algum benefício”. Por isso, na opinião de Clésio Andrade, “o mecanismo de incentivo financeiro tende a ser complexo e exigirá medidas mais rigorosas de desestímulo do uso de veículos velhos”.

Após solucionar estas questões, o setor deve se estabelecer rapidamente. Ao menos é o que acreditam os técnicos entrevistados. “Levaríamos um ano no mínimo para montagem de estrutura e modelo de desmontagem dos caminhões desde que definidos os parâmetros, regras e leis para comercialização dos veículos, peças e resíduos finais do processo”, argumenta Eduardo Santos. Clésio concorda e diz que a implantação da indústria de reciclagem de veículos não seria um grande gargalo no processo. “De certa forma, as indústrias siderúrgicas existentes no Brasil possuem estrutura para reciclar o aço dos veículos. Portanto, seria necessário a criação de centros de desmontagem – retirando do veículo o óleo do motor, câmbio e restos de combustível, além de pneus, vidros e baterias – e estabelecer normas para destinar corretamente esses resíduos que, inclusive, possuem valor comercial”, ressalta.

Quanto ao papel das montadoras no processo, o vice-presidente da Anfavea é incisivo. “Somos montadoras de veículos, não desmontadoras. Nosso papel é projetar produtos mais verdes”, diz Saltini. E exemplifica: “podemos reduzir o número de polímeros utilizados e ao invés de utilizar 15 tipos de plásticos, por exemplo, podemos reduzir para cinco, facilitando a separação, além de identificá-los para ajudar no processo de separação”.

EXEMPLOS QUE VÊM DE FORA

Enquanto o Brasil discute a melhor forma para estabelecer uma política de reciclagem de veículos, países como a Argentina, México e Espanha já colhem os frutos de seus programas e servem de exemplo para outras nações. No México, um dos poucos países com políticas focadas principalmente nos veículos de carga, a proposta era impulsionar a indústria automotiva. Com isso, em 2003, surgiu o Programa de Chatarrización (sucateamento), priorizando a retirada de veículos obsoletos de circulação.

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Informações do governo mexicano dão conta que mais de 13 mil veículos de carga e passageiros foram retirados de circulação desde a criação da iniciativa. Até o fim deste ano, a meta é ter reciclado 15.100 ônibus e caminhões. Com isso, o governo mexicano prevê que a retirada destes veículos resultará na redução de 1,1 milhão de toneladas de gás carbono emitido a cada ano de vigência do programa. Até hoje, cerca de 3,2% da frota mexicana já foram sucateados.

Outro país que tem apostado na reciclagem de veículos é a Espanha. A iniciativa começou a ser regulamentada em 2000 com a publicação de uma norma do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia que defendia medidas de encaminhamento dos veículos em fim de vida (VFV). As leis para formalizar o funcionamento das unidades de reaproveitamento das peças foram estabelecidas dois anos depois, acompanhadas pela formatação do Plano Nacional de Veículos do Final da Vida Útil, que consiste no recolhimento de carros abandonados e inutilizados. Como resultado, o número de desmanches ilegais, que antes chegavam a quase três mil unidades, caiu para 955.

Já na Argentina, a reciclagem de veículos foi uma das alternativas para reduzir os altos índices de roubos. A regularização no país começou com uma operação para impedir a saída de veículos furtados da região metropolitana de Buenos Aires. Assim, em 2003 foi estabelecida a Lei das Autopeças, cujo objetivo era gerir a venda de peças usadas com certificado de garantia. Desde então, o número de roubos caiu em 17%.

Além da questão de segurança, a vizinha Argentina, México e Espanha foram beneficiados com a criação de uma nova “indústria”. Conforme números divulgados, o faturamento anual do Cesvi argentino – responsável pelo processo no país – é de US$ 2,3 milhões. A instituição tem parceria com empresas e seguradoras para a divisão dos ganhos. O contrato estabelece que 40% do lucro obtido com a venda das peças voltem aos parceiros. Parte do valor (25%) , é repassado à vista, enquanto o restante é revertido em serviços no centro da cidade.